*O que vai abaixo é divagação pseudo-filosófica da mais viajada, opinião pessoal desse que vos escreve.
Outro dia me peguei tentando dissuadir um colega de trabalho da idéia de que a bicicleta, no trânsito, seria análoga à motocicleta, explicando que na verdade pedalar é muito mais parecido com andar a pé.
Então vamos lá, qual é a grande sacada da bicicleta?
1. Quem leva quem?
A diferença essencial entre qualquer transporte motorizado e os de propulsão humana é justamente o “motor”. A bicicleta não leva a pessoa a lugar nenhum. É o próprio ciclista que “se carrega”, apenas usando as rodas para potencializar sua própria força.
2. Não é pra qualquer um
Num carro, o que importa é o modelo, a cor, a potência do motor, o preço, o design… embora os motoristas gostem de acreditar no contrário, o carro não diz nada sobre a personalidade de quem o dirige, apenas sobre a quantidade de dinheiro que esteve disposto a gastar para obtê-lo.
Já no caso da bicicleta, o que importa é a atitude, coragem e força DO CICLISTA. A bicicleta em si não é nada, não tem nada, e geralmente ciclistas urbanos preferem mesmo bicis meio surradas para se prevenir de roubos. A única ostentação possível é a das pernas torneadas…
Qualquer pessoa pode dirigir qualquer carro. Mas apenas alguém com atitude suficiente para desafiar as convenções e o preconceito, com coragem para enfrentar o desrespeito e o perigo, com força e preparo para fazer girar duas rodas com as pernas, só alguém assim é que pedala.
3. Aproveitamento de energia
Um carro queima petróleo para deslocar suas 2 toneladas de metal e plástico por aí, e apenas uma parcela marginal dessa energia é usada para levar a (única) pessoa sentada ao volante. Visto de fora, soa meio absurdo, pra não dizer burro. O ciclista, além de prover ele mesmo a energia e o trabalho, desloca apenas a si mesmo – o peso da bicicleta é desprezível em relação ao conjunto, e o motor… é ele mesmo.
4. Deslocamento orgânico
Dirigir um carro envolve estímulos que levam a reações, que levam a atitudes reativas, que finalmente resultam na ação. Por exemplo:
a. Estímulo: sinal verde
b. Reação: “posso acelerar!”
c. Atitude reativa: pisar no acelerador
d. Ação: o carro acelera
Eventualmente, depois de um tempo de prática, o motorista pula a etapa (b), ligando (c) diretamente com (a). Mas isso não muda o caráter “reativo” da coisa toda. Esse sistema tem dois grandes problemas:
I. Separar o sujeito da ação (ou do meio);
II. Permitir uma conduta cômoda, reativa, baseada na espera passiva por estímulos para então agir.
No caso da bicicleta, o usuário é o próprio motor, então ação e reação são a mesma coisa. Além disso, o ciclista tem total noção e domínio sobre sua velocidade, potência, aceleração, agilidade – [momento egotrip] principalmente se for uma fixa, pois em nenhum momento permite ao ciclista “desligar-se” do movimento das rodas.
Finalmente, o ciclista, principalmente num trânsito apático como o nosso, obrigatoriamente desenvolve uma habilidade e sensibilidade toda especial. Quando pedala na rua, está o tempo inteiro usando os cinco (eventualmente seis) sentidos, atento a todos os elementos que o cercam, sempre calculando as velocidades dos outros veículos, antecipando as suas ações, imaginando sua disposição futura e planejando a rota nesse contexto, tomando atitudes pró-ativas. Ou seja, o ciclista “faz o seu caminho”, enquanto o motorista “segue o caminho traçado”.
Ao mesmo tempo, pedalando evita-se a burrice. Os motoristas costumam associar a velocidade máxima com a velocidade de deslocamento, e vivem reclamando dos “lerdos” na rua (bicicletas se encaixam na categoria). O ciclista, no entanto, logo percebe que uma coisa nada tem a ver com a outra. Sem nunca ultrapassar os 30km/h, a bicicleta chega antes ao destino que o carro, que alcançou velocidades de pico de mais de 100km/h. Aproximando-se de um farol vermelho, por exemplo, o ciclista naturalmente diminui a velocidade muito antes, de modo a estar em movimento quando o sinal ficar verde (evita desperdício de força com frenagem e aceleração a partir do zero)… e é ultrapassado pelo raivoso motorista (desperdício de energia com velocidade) que em seguida freia bruscamente (desperdício de energia com frenagem) no farol vermelho. Quando olhar para o lado, o estressado motorista se verá ultrapassado pelo calmo e “lerdo” ciclista. Quando o sinal abrir, o ciclista estará embalado e assim abrirá larga vantagem sobre o carro, que vai acelerar fortemente (mais desperdício de energia) para tentar compensar sua desvantagem. Esse ritual se repete algumas vezes, até que a vantagem acumulada do ciclista seja tanta que o motorista ficará para trás definitivamente.
5. A postura “defensivo-defensiva”
O motorista, mesmo que dirija de forma defensiva, age sempre considerando 100% de colaboração dos outros elementos do trânsito. Um motorista ’sem-noção’ dirige considerando 150% de colaboração, ou seja, ele espana a rosca do sistema e obriga os outros a abrir mão de seus direitos para lhe dar passagem. Já o ciclista, mediante a falta de infra-estrutura e sabendo do desrespeito vigente, pedala sempre considerando certa margem de erro. Podemos dizer que o ciclista considera 50% (ou menos) de colaboração dos outros elementos.
Isso se aplica, por exemplo, em cruzamentos: mesmo estando na rua preferencial (além da preferência universal garantida à bicicleta), o ciclista se aproxima com cautela, pois sabe que os carros nas vias perpendiculares provavelmente vão ignorar sua presença, o respeito à vida, a lei, a preferência, o bom senso e a Constituição Federal, e acelerar assim que o fluxo de carros permitir.
Por essas e outras, o ciclista pode (e muitas vezes DEVE) furar o sinal vermelho e fazer outras coisitas consideradas infrações para os motoristas. O fato é que as leis de trânsito foram feitas pensando no trânsito motorizado. Se todos se locomovessem de forma tão orgânica, racional e consciente como o ciclista, não precisaríamos de tantas leis, proibições, sinalizações, restrições e afins.

Vencemos! (gravura de Andy Singer)
Isso é pedalar pra mim.
Correr tendo rodas como continuação do corpo.
Navegar num mar de irracionalidade fortemente controlada usando a racionalidade absolutamente livre.
Voar.
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Renato 17:11 on 17 Janeiro, 2009 Permalink | Inicie a sessão para responder
Calçadas com asfalto não são ciclovias. Eu me recuso a pedalar em uma calçada asfaltada sem sinalização nas esquinas, principalmente quando se está na contramão.
A prefeitura de Curitiba, a Urbs e outros órgãos públicos são completamente ignorantes quando o assunto é bicicleta. Uma pena. O boneco Richa deveria visitar a Colômbia, se tornar um pouco mais humilde, e aprender com eles.
divo 18:48 on 17 Janeiro, 2009 Permalink | Inicie a sessão para responder
ciclovia concluída na rua:
Dr Julio Cesar Ribeiro de Souza (Hauer) ?
Nunca vi coisa dessa por lá, conheço a região.
De mentira em mentira eles vão ganhando tempo, o nariz não cresce por sorte, e aí seguem na mentira eterna. O IPPUC sempre tira da reta pra dizer que não saiu dali as informações mentirosas, mas por outro lado, que outra instituição da prefeitura disporia de tais dados ?
É difícil de acreditar em quem mente várias vezes.
Dizem que uma mentira sempre exige outra e assim por diante, numa roda infinita da mentira.
Mas mesmo assim os caras tem os seus fâs (77%), nem duvido que venham defender essa administração chegada nã enganação.
goura 11:36 on 18 Janeiro, 2009 Permalink | Inicie a sessão para responder
Luis, e o Ippuc não ficou de dar um parecer, uma resposta daquela reunião que vcs participaram, nos proóximos dias?
Esta notícia que vc colocou mostra bem o quanto eles dão importância pra representação da coisa, pra imagem da coisa, e não pra ´coisa em si´!
Estou na área.
Abraço,
Goura
Luis Patricio 11:46 on 18 Janeiro, 2009 Permalink | Inicie a sessão para responder
Pois é Renato,
Com todo esse dinheiro que Curitiba tem só do BID (mais de U$100 milhões) dava para fazer coisa bem melhor para os ciclistas?
Divo,
Você pode mandar umas fotos do Hauer para gente mostrar do que estamos falando? Vou tirar foto da Anita.
Olá Goura,
Bem, você também já participou de algumas e sabe como é. O discurso é muito bom. Sempre tem “planos” de novas obras que não saem do papel. Será que vai ter ciclovia na Visconde?
Rafael Buratto 18:49 on 18 Janeiro, 2009 Permalink | Inicie a sessão para responder
Na minha opinião Curitiba tem 2 ou 3 ciclovias, que estão em péssimo estado, são estreitas e mal sinalizadas, e o que acho pior, só servem para o final de semana, já que não levam ao centro ou ligam os lugares principais. Já as calcadovias, todos sabemos que não são ciclovias.
Luiz Salim 10:47 on 19 Janeiro, 2009 Permalink | Inicie a sessão para responder
Esses dias vi uma ciclovia de verdade em Estocolmo na Suécia, pena que não me lembro exatamente onde vi isso. Mas o que posso relatar é que era uma calçada de aproximadamente 3 m de largura e a ciclovia ficava na parte externa da calçada com sinalização e tudo, não posso afirmar com certeza, mas tinham sinaleiros para ciclistas. Agora, uma coisa, o que vocês acham da ciclovia da Sete de Setembro? Particularmente algumas reformas a tornariam ideal nos padrões europeus.
Gunnar 12:07 on 19 Janeiro, 2009 Permalink | Inicie a sessão para responder
Eu me recuso a pedalar em calçada, buzinem e rosnem o quanto quiserem.
Luis Patricio 12:17 on 19 Janeiro, 2009 Permalink | Inicie a sessão para responder
Olá Luiz,
Não é preciso ir tão longe. Aqui no Brasil mesmo tem ciclovias com cor diferenciada, faixa pontilhada para indicar duplo sentido, sinalização horizontal e vertical. Tem em Sorocaba, Rio de Janeiro, Recife, Floripa…
Quanto às reformas você tem razão. Muitos trechos poderiam se tornar ciclovias de verdade sem muito esforço.
Santiago 14:28 on 19 Janeiro, 2009 Permalink | Inicie a sessão para responder
Por falar em ciclovia, eis uma invenção noturna:
http://www.bemlegaus.com/2009/01/estrada-de-luz.html
divo 16:11 on 27 Janeiro, 2009 Permalink | Inicie a sessão para responder
A propaganda enganosa continua. Dão notícia de criação de ciclovia onde não existe ciclovia. Estive “vistoriando” a rua julio cesar ribeiro de souza e não encontrei nada além das vulgares calçadovias. Nada contra calçadovia, se for para pedestre, mas dar uma notícia com informação falsa, dizendo que há ciclovia nesta rua e outras em Curitiba, é caso de polícia.
http://www.urbs.curitiba.pr.gov.br/PORTAL/noticias/index.php?cod=337
Acho que caberia reunirmos material e fazermos uma denúncia no Ministério Público, ou os descalabros vão continuar.
Renato 14:42 on 29 Janeiro, 2009 Permalink | Inicie a sessão para responder
Se Curitiba é a capital ECOLÓGICA por que as nossas calçadas tem asfalto? Asfalto é feito a partir do petróleo, por que usar em calçadas?
Anderson Matos 09:36 on 30 Setembro, 2009 Permalink | Inicie a sessão para responder
Embora o assunto aqui seja ciclovias, aproveito para falar sobre os vários equívocos na conclusão das obras da avenida. Pra comçear trechos ainda sem faixas nas ruas, isso sem falar das faixas que foram pintadas e depois apagadas com pixe ou sei lá o que, e refeitas em outras posições. Desperdício de dinheiro? falta de planejamento?
Além disse as “Faixas apagadas” ja estão a vista novamente gerando grande confusão. Outra coisa, espaços proibidos para estacionamento, não sáo respeitados. Policiamento? fiscalização? Grande piada. Ah, sem falar nos inúmeros cruzamentos com a linha ferrea, que ainda tem aquelas malditas bolas de ferro que detonam os carros.
Absurdo.