CIDADES E RUAS PARA CRIANÇAS.
LEMBRA, IPPUC?

No planejamento urbano que impera em Curitiba há diversas gestões, o inepto e arrogante IPPUC, o Bárbaro rasga pracinhas para que carros passem, derruba bosques para erguer shoppings e estreita calçadas para espalhar seu escuro e pegajoso asfalto, cobrindo grama, árvores, nossos sonhos.

Foi com esta mesma desmesurada arrogância que o instituto foi (e ainda é) contra o Parque Gomm. Ao invés de juntar-se aos esforços de toda a cidade para criar o primeiro parque de bolso de Curitiba (e que, diga-se de passagem, demora a sair), o instituto optou por cruzar os braços com indiferença, chegando a referir-se publicamente ao espaço como um mero “beco”.

Pois é. “Boa” é a nova Rua Francisco Rocha, não é? Devastada por um mar de asfalto, estreitada em suas calçadas, perdendo mais de uma dezena de árvores – tudo para agradar um shopping de luxo que é tratado pelo IPPUC com o esmero de um joalheiro e o servilismo de um cavalariço.

Crianças não podem brincar na nova Rua Francisco Rocha, assim como nas proximidades de tantos outros binários mortais espalhados por Curitiba nos últimos anos, ou como aqueles que ora ameaçam o Longa Vida ao Arquipélago de Camões e a mata remanescente do Bosque do Capão da Imbuia (onde mora a árvore mais antiga de Curitiba).

Não, crianças não podem brincar na nova Rua Francisco Rocha. Ainda que elas tivessem espaço para passar em uma calçada de menos de 1 metro de largura (com postes no meio), elas seriam certamente ATROPELADAS na “Pista de Hot-Wheels” de carne-e-osso que virou o local. Resta-lhes o envidraçado e climatizado shopping – claro que é ESTA a cidade que IPPUC quer para seus filhos.

Mas, afinal, crianças deveriam poder brincar na rua?

Claro que sim!

Leiam o artigo “CIDADES PARA CRIANÇAS”, de Lais Fontenelle Pereira, publicado em Outras Palavras em 2013 (fonte: http://goo.gl/GkOwdH)

“As crianças precisam de um local perto de casa,
ao ar livre, sem um fim específico,
onde possam brincar, movimentar-se
e adquirir noções de mundo.” – Jane Jacobs

Lançado há alguns meses no Brasil, Cidades para Pessoas, do arquiteto e urbanista dinamarquês Jan Gehl, é interessante pela reflexão que propõe e merece leitura. Mas confesso que senti falta de um capítulo que incluísse a criança.

As cidades cresceram vertiginosamente e, segundo estatísticas assustadoras, tão cedo não vão parar de crescer e se adensar. Sabe-se que, desde a virada do milênio, a maior parte da população global é urbana, não mais rural – e aí se inclui também a infância. Por isso a necessidade urgente de refletirmos sobre cidades mais sustentáveis, sem deixarmos de fora a relação das crianças com o espaço urbano.

Ao contrário do que afirmam certas expressões, tais como “rua não é lugar de criança”, ou “lugar de criança é na escola”, a cidade deveria ser, sim, um espaço de encontro com a infância. Contudo, isso não é vivenciado pela maioria das crianças. Elas hoje experimentam uma invisibilidade citadina. Por quê?
Muitos responderiam que por medo da violência, e claro que têm alguma razão. As ruas não são, na maioria das vezes, espaços seguros para crianças. Mas vale lembrar a ativista Jane Jacobs, autora de “Morte e Vida nas Grandes Cidades”, de 1961 – considerado um clássico do planejamento urbano –, quando diz que as cidades, baseadas em ideais modernistas, passaram a ser organizadas não mais como espaços públicos de encontro social e sim como conglomerados individuais, com a construção de edifícios ou condomínios fechados autossuficientes e indiferentes, e de avenidas criadas para permitir a invasão dos automóveis.

TEXTO-MEIO

Por isso, não é somente a falta de espaços públicos seguros e convidativos que impede as crianças de se expressar através do brincar. Elas estão confinadas em espaços privados – supostamente protegidos da violência urbana. Permanecem em casa sob o cuidado de terceiros ou na escola, por muito tempo, o que dificulta o acesso à experiência da vida na pólis. Sua relação com as cidades restringe-se aos intervalos em que transitam entre casa e escola. Suas mochilas e vozes infantis são vistas e ouvidas apenas pela manhã, na hora do almoço e no fim do dia.

A cidade é viva e só pode ser “explicada” ao ser explorada. Viver em metrópoles é presenciar acontecimentos inesperados e insubstituíveis, que falam sobre signos, códigos e descobertas. Ao experimentar uma vida citadina real, as crianças podem exercitar cidadania e aprender concretamente sobre a cultura e história local.

E se a cidade é lugar de aprendizagem, por que a escola não se integra ao espaço público, promovendo maior participação infantil no urbano? Uma proposta pedagógica que usasse o meio social urbano como espaço de difusão de conhecimento seria a resposta. Levar crianças a museus, parques, monumentos, feiras. Mostrar que têm direito à cidade – e principalmente às calçadas.

Aliás, essa é uma das ousadas propostas de Jane Jacobs: outra urbanização, na qual as calçadas sejam planejadas para receber as crianças e suas brincadeiras. Ao contrário de lugares pensados com o propósito específico de receber, porém limitar, como parques e praças, a calçada pode ser viva e diversificada, espaço onde vizinhos são responsáveis coletivos pela recreação informal das crianças, criando a noção de cuidado e comunidade.

As cidades não podem prescindir das crianças, inclusive porque elas são capazes de transformar o espaço público em espaço lúdico. O trânsito infantil contribui para o resgate de relações humanas. As crianças convidam a outro ritmo, a parar, a contemplar o entorno.

A criança precisa ser homenageada e protegida por toda a comunidade – ou o planejamento urbano será aborrecido e falso. Uma cidade é composta não só por carros e edifícios, mas por pessoas que sentem e se afetam. Já existem ações que apontam para isso. O Dia Mundial Sem Carro, que espalha pelas ruas múltiplas atividades de lazer convidativas ao encontro, é um exemplo de mobilização social. Cidades para pessoas e para crianças: o direito à cidade e à vida urbana é, antes de tudo, condição de humanismo e democracia.

Foto: Robert Doisneau, “Les écoliers de la rue Damesme”, Paris, 1956.